Quem passou por um curso técnico ou superior de moda nos últimos 15 anos, cansou de ouvir a palavra "projeto" para definir a criação e o desenvolvimento de coleções. Em termos bem gerais, o conceito de projeto "moderno" tem sua base em etapas sucessivas/paralelas que faz com que partamos das ideias e cheguemos aos produtos, mudando de mãos e até de responsabilidade, a ideia inicial.
Podemos dizer que em pleno 2023, com grandes mudanças de comportamento no consumo de moda afetando diretamente o que pensamos sobre a moda, seria ingênuo pensar que esse movimento não afeta o projeto, ou seja, como desenvolvemos os produtos. Se o consumidor não aceita mais todo o processo industrial e suas mazelas - condições insalubres, roupas insustentáveis, a repetição e mesmice -, precisamos repensar o projeto. Então a pergunta é: você já se preparou para a mudança?
Um breve percurso histórico do projeto de moda
Antes de pensarmos em produzir roupas em sistemas industriais - o que implica na divisão do trabalho -, o usual era que costureiras, alfaiates, modistas etc., se encarregassem de todo o processo. Obviamente a criação poderia ser realizada por esses artesãos, mas na maioria das vezes, pelo que as fontes históricas retratam, trabalhava-se com ilustrações, fotografias, revistas etc., que traziam os modelos que seriam reproduzidos individualmente, nos materiais, cores e tamanhos do usuário.
Quem tem mais de cinquenta anos já viu isso acontecer muitas vezes. Escolhia-se o "modelo" de referência, comprava-se o tecido e então, uma costureira ou alfaiate, produzia a peça individualmente. Esse procedimento, com certeza, não é considerado um projeto no sentido estrito do termo (ainda que muito se tenha produzido com base nessa lógica), pois as etapas de criação e execução são totalmente desconectadas e cabe ao próprio usuário o controle final sobre o produto.
Essa cultura de moda, a partir da década de 1980, tornou-se cada vez mais rara, pois na maioria dos países industrializados, a roupa passou a ser muito acessível quando produzida em escala e distribuída para um grande público, o que tecnicamente se chama ready-to-wear ou pronto para usar. Assim, vivemos a época do "Império das Tendências", caracterizado por centros distribuidores de informação de moda (países Europeus e Estados Unidos principalmente) e por centros de produção alocados nas diferentes regiões do globo. Na prática, os produtores "compravam" a informação de moda em revistas, feiras e as tradicionais pesquisas de vitrines alheias, e depois adaptavam os produtos para sua realidade de mercado. Isso significa que pensar o produto não era exatamente o que acontecia.
A partir dos anos 1990 esse processo sofreu nova mudança e então alguns lugares no mundo passaram a distribuir roupas para todo o planeta e regiões que eram tradicionais no setor de vestuário e têxtil desindustrializaram-se. O trabalho de criação por vezes se transformou num processo de compras e toda a solução projetual já vinha dada pelo próprio fornecedor que, "distante" do consumidor geográfica e culturalmente, pouco tinha a ver com ele. Nesse momento, outros estímulos ao consumo entraram em cena - como a força das marcas -, para confirmar aquilo que deveria ou não ser usado pelas pessoas. Consumidores se moviam altamente influenciados pela indústria da comunicação e do marketing.
O entendimento desses três processos, nos permite concluir de maneira clara que a atitute projetual, isto é, desenvolver um produto do início ao fim com foco no usuário, foi se modificando. As expectativas de quem vai usar a roupa, mudaram totalmente em termos de tempo, identidade, durabilidade etc. É natural, portanto, esperar que com a existência de uma nova geração de consumidores (millenials, geração Z), cada vez mais preocupados com o "de onde vem minhas roupas", o projeto tenda a mudar novamente, provavelmente em direção a um rumo de maior flexibilidade e pensando demandas até menores e mais "nichadas". Então, perguntamos uma vez mais: você se preparou para a mudança?
Como está se estruturando essa nova cultura de moda e como repensar o projeto
Sabemos que por inúmeras razões o consumidor que busca apenas preço e se importa pouco ou quase nada com todo o sistema continua existindo. Prova disso é o crescimento de empresas distribuidoras de "modinha", como a chinesa Shein ou, em outro mercado, a irlandesa Primark. Mas não é sobre isso que falamos, pois nesses lugares, o conceito de projeto tem outra conotação dentro do negócio e importância zero para o consumidor.
Falamos de conceitos novos, como alguns que elencamos aqui, mas que com certeza não esgotam as possibilidades. Um deles, é o do jovem designer empresário, que cria sua marca super nichada com seus valores e características exclusivas, que pode ser, por exemplo, utilizar uma mão-de-obra com determinadas características ou matérias-primas regionais. Um outro é a curadoria de moda, um conceito totalmente novo e muito pouco explorado, que pensa a seleção e organização de produtos e serviços de moda destinados a um público exigente, que quer ter certeza do que está comprando. Trata-se de um negócio totalmente baseado na confiança. Um terceiro, cada vez mais repetido mas pouco conhecido, os negócios super baseados na sustentabilidade, que utilizam conceitos de moda circular, upcycling etc. Nesse caso, o projeto tem uma outra lógica, colocando em primeiro lugar comportamentos e valores empresariais + do consumidor. Também podemos citar os serviços de moda, como troca, second hand, consertos e transformações, além das próprias costureiras que ressurgem muito mais valorizadas e, mesmo dentro desses negócios, há a necessidade de se estabelecer parâmetros de projeto.
Isso tudo pra não dizer o que já parece óbvio: o empreendedorismo na moda e na economia criativa, é a estratégia que mais vai movimentar a economia do setor nos próximos anos.
É dentro desse universo que emergem novas formas de pensar o projeto de moda, muito mais realista e centrado na sociedade e seus indivíduos e não apenas no negócio. Fazer de um jeito que dê certo, deve dar certo para todos e, por isso, a velha lógica de vamos criar o certo (tendência confirmada) e adaptando para o público (barateando a qualquer custo) um produto de vida curta (porque logo vamos propor outra coisa), pode ter os dias contados.
Convenceu-se da necessidade de mudança de projeto?
O caminho para uma nova lógica projetual
Se pensarmos de forma clássica no projeto - ter em mente um usuário que necessita algo e cabe a nós idealizar e coordenar a execução desse "objeto" - nada mudou. O objetivo segue sendo o mesmo, porém, é necessário introduzir ou rever antigas premissas que vinham dirigindo os desenvolvimentos de projeto na área de moda.
O consumidor ou usuário desse projeto, tem interesse sim em como tudo foi produzido. Isso implica em adicionar transparência na cadeia, tanto do ponto de vista da lógica de produção, quanto de onde surgem as ideias: os copiadores estão sendo banidos.
Não dá pra criar uma marca e competir por preço com a Shein. Então, adicione valor no projeto e fuja dos modelos produtivos predatórios. Isso significa que a prática criar - buscar o (mesmo) fornecedor - produzir e distribuir, pode não funcionar mais.
Entenda exatamente o que deve ser feito, não perdendo tempo com o que você gostaria de impor ou que as pessoas quisessem. A pesquisa de público e o briefing de projeto nunca foram tão importantes.
Seja autoral. O que vai fazer as pessoas não se engajarem com sua marca, é ver as mesmas coisas em todos os lugares.
Pense como um arquiteto. Sua criação de moda deve ser inovadora hoje, referência em 5 anos e patrimônio em dez anos. E mais: as pessoas devem se sentir bem dentro dela.
Quer por em prática a ideia do seu projeto de moda?
Participe da Orientação prática para o desenvolvimento de projetos com a Luciana Gragnato.
Saiba mais clicando aqui.
Comments