Por Ana Beatriz Hoffert
A cópia na moda é um assunto que cada vez mais tem sido debatido com grande repercussão, pois traz questionamentos de cunho intelectual e moral. Porém, essa ainda é uma questão muito emblemática e está longe de ser simples. O que exatamente é a cópia? Ela é inerente à moda? Quais são as medidas que os designers podem tomar para proteger suas criações?
Para responder o que é a cópia, é preciso analisar o processo de criação de um produto, o qual demanda tempo e muita pesquisa, envolve várias etapas até a definição do DNA criativo e a construção da estética que o consolida. Quando falamos sobre as cópias, o processo criativo em geral desaparece, o produto é totalmente esvaziado de sentido e sobra somente a sua aparência, que é um completo “copia e cola”. O consumo de cópias muitas vezes se justifica pelo preço inferior ao original, que sana o desejo de consumo daqueles que não se permitem comprá-lo. Além disso, o dinheiro entra como personagem principal em seu lançamento, numa tentativa de levar vantagem do verdadeiro criador.
Walter Benjamin, filósofo alemão da escola de Frankfurt, em seu livro “A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica” afirmou que a cópia não pode ser considerada obra de arte, porque ela perde sua unicidade e sua “aura” - termo que para ele só toma parte da criação original. Assim, se considerarmos as peças de uma coleção de moda sendo mais do que apenas um objeto utilitário e classificarmos como arte, é possível dizer que as cópias abandonam totalmente esse propósito. Contudo, em controvérsia, existe um conceito chamado “paradoxo da pirataria”, que resulta do ensaio feito pelos professores norte-americanos Kal Raustiala e Cristopher Jon Springman, que alegam que a cópia é propulsora de novas criações, uma vez que as imitações saturam o mercado e criam a necessidade de inovação. Assim, mesmo que o conceito de “propriedade intelectual” seja claro e definido, sofre distorções ao redor do globo quando falamos de direito da moda. O tema “proteger as criações”, ainda levanta muitos questionamentos.
A segunda edição da Unsatisfashion, revista produzida pela Fashion for Future, se aprofunda nesse tema e tem como pauta central a originalidade. Com diversas entrevistas internacionais, a produção falou com advogados especialistas no assunto, entre eles Kal Raustiala. No Youtube, a estilista Elisa Parpinelli explica como se dá o desenvolvimento de coleções de luxo e como grande maisons lidam com a originalidade:
Porém, por mais que a originalidade seja um grande pilar para o sucesso absoluto das casas de luxo, a lista de designers que já se envolveram em polêmicas relacionadas ao plágio e a apropriação só cresce. Separamos alguns casos:
1. Dolce & Gabbana
A grife milanesa que coleciona polêmicas já foi acusada algumas vezes de plágio. O último caso ocorreu por conta de estampas que apareceram em itens da coleção masculina primavera/verão 2021. A empresa de cerâmicas espanhola Sargadelos, que existe há 200 anos, alega que essa estampa usada em alguns itens da coleção são uma “cópia escandalosa” da ‘Monferico’, padronagem geométrica usada desde 1967 pela marca ibérica, que inclusive é patenteada. A ceramista, que é referência em tradição, pediu a retirada de circulação dos itens aos estilistas, que insistem que a cópia não existe, e dizem que a coleção apresentada durante a Semana de Moda Digital de Milão foi inspirada nos azulejos do hotel italiano Parco dei Principi.
Além disso, em 2015, Stefano Gabbana e Domenico Dolce já haviam sido acusados de plagiar a artista plástica colombiana Adriana Duque. Na coleção de inverno 2016, os estilistas apresentaram modelos usando fones de ouvidos de tiaras cravejadas, e esse objeto é o elemento central da obra da artista, que os lançou por meio de fotografias em 2011.
2. Gucci
O diretor criativo da também italiana Gucci, Alessandro Michele, em 2017 foi acusado de plagiar um estudante da renomada Central Saint-Martins. Pierre-Louis Auvray alegou que a marca copiou a estética alienígena e sci-fi de seu desfile que tinha acontecido meses antes da apresentação outono-inverno da maison.
O jovem criador abriu margem para a discussão de como os estudantes muitas vezes são copiados no mundo da moda e não recebem nenhuma credibilidade por ainda estarem começando no mercado. “Jovens criativos já lutam o bastante sem grandes empresas roubarem deles de maneira desavergonhada”, disse o jovem. Em conflito, Michele disse que a coleção havia sido inspirada em elementos alienígenas de sua imaginação, e que foi planejada antes do desfile do estudante, impossibilitando qualquer acusação de plágio.
3. Chanel
Sim, até a Chanel caiu nas graças da cópia. Porém, diferente dos apresentados até então, a grife reconheceu que errou e pediu desculpas. O caso aconteceu diante de suéteres estilo Fair Isle do pré-outono 2016 que seriam uma cópia dos produzidos pela estilista Mati Ventrillon, que é especialista nesse tipo de tricot. “Reconhecemos que essa situação foi resultado de um lapso de nosso time e apresentamos nossas desculpas. A Chanel deseja enfatizar que a casa é extremamente atenta em termos de respeitar a criatividade, seja a sua própria ou de outros”, declarou a grife nas redes sociais.
4. Louis Vuitton
Não especificamente a maison francesa, mas o seu diretor criativo Virgil Abloh acumula no currículo algumas acusações de plágio. A mais polêmica de todas, que fez até Kanye West, cantor e amigo pessoal do estilista defendê-lo nas redes sociais, envolve casacos e costumes da coleção primavera/verão 2021, que foram costurados com ursos de pelúcias, resultando em ideias muito similares às que o estilista Walter Van Beirendonck apresentou em 2016. A acusação foi feita por meio de um post no instagram onde Beirendonck falava que odiava “copiadores na moda” e Abloh se defendeu arduamente nas redes sociais.
5. Tory Burch
Um dos mais recentes casos foi relacionado à estilista norte-americana Tory Burch, que foi acusada de copiar descaradamente as conhecidas camisolas usadas pelos pescadores de Póvoa de Varzim, em Portugal. Na descrição do produto no site da marca, afirmava-se que a peça tinha sido inspirada no México, o que revoltou ainda mais os portugueses.
Depois disso, a estilista reconheceu o erro e pediu desculpas à comunidade. Essa não é primeira vez que a americana comete gafes desse tipo: em 2018, uma peça de sua coleção era idêntica a um casaco originário do vestuário tradicional romeno, exposto no Metropolitan Museum of Art em Nova Iorque. Quando acusada, a estilista insistiu que havia se inspirado em modelos africanos, mas mais tarde foi obrigada a admitir a verdadeira inspiração.
6. Balenciaga
A marca do diretor criativo Demna Gvasalia também já foi alvo de críticas por se apropriar de designers menos conhecidos. Um par de sapatos desfilados na Semana de Moda de Paris 2020 era extremamente semelhante aos criados por uma estudante londrina. A peça que havia sido copiada, foi um dos primeiros lançamentos da recém-formada estilista Paula Canovas del Vas. As acusações foram feitas pelo famoso perfil Diet Prada, que são os verdadeiros “olheiros do plágio” e os denunciam por meio de sua conta no Instagram que tem mais de dois milhões e meio de seguidores.
7. Balmain
Em 2018, Thierry Mugler, fundador da marca que carrega seu nome, acusou Olivier Rousteing por meio do stories em sua conta no Instagram de plagiar quatro criações suas no desfile que havia acabado de acontecer. O mundo da moda ficou surpreso com a aparição do designer que vive no low-profile. Nos stories de acusação Mugler ainda escreveu “sério?” e “sem comentários”.